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Como detectamos raios cósmicos

Os detectores de raios cósmicos são detectores de partículas que utilizam um mesmo princípio fundamental: uma partícula não se torna evidente até que interaja com o material do aparato experimental de forma mensurável ou decaia em outras partículas detectáveis. Isto ocorre a partir da transferência de uma parte ou de toda a energia da(s) partícula(s) que atravessa(m) o volume do detector, convertida posteriormente em alguma outra forma mais acessível para a "percepção" humana. O tipo de detector determinará a forma da conversão de energia. Através de medidas das propriedades fundamentais das partículas, como massa e carga elétrica, e levando em conta as leis de conservação poderemos, por exemplo, identificá-las e determinar sua direção de chegada.

A detecção direta com uso de eletrômetros e contadores Geiger-Müller

Nota

O elestrocópio foi um dos primeiros instrumentos utilizados para detectar uma das propriedades fundamentais da matéria: a presença de cargas elétricas. No eletroscópio, a observação do efeito da força de natureza eletrostática (Lei de Coulomb) se dá pelo movimento de um objeto teste sobre ele, para identificar se o objeto está eletrizado. Entretanto, o eletroscópio pode dar apenas uma indicação aproximada da quantidade de carga; para uma medida quantitativa de carga elétrica utiliza-se o eletrômetro.

Os vôos em balões tripulados permitiram a detecção direta dos raios cósmicos com a utilização de eletrômetros. Um eletrômetro padrão (vide Figura 5) é composto por duas finas folhas condutoras de massa muito pequena suspensas em um eletrodo. Quando o eletrodo está carregado, as folhas têm cargas de mesmo sinal e se repelem. Quanto maior a carga, mais as folhas se distanciam, indicando assim, a quantidade de ionização.

Figura 5: Imagem de um eletrômetro padrão do início do século XX.

Créditos da imagem: CERN Document Server - "1912 – 2012: a century of studying cosmic rays".

No "eletrômetro de Wulf" (vide Figura 6), as folhas do eletrômetro são substituídas por dois fios condutores, o que permite medir pequenas quantidades de carga. O "coração" do "eletrômetro de Wulf" é um par de fibras de quartzo. Elas estão presas na parte inferior a uma outra fibra de quartzo curvada, que atua como uma mola. Ajustando a tensão nesta mola, a sensibilidade do eletrômetro pode ser controlada. A distância entre as duas fibras é medida através de um microscópio, que é fixado na circunferência do aparelho. Theodor Wulf transportou um eletrômetro deste tipo para realizar experimentos na torre Eiffel.

Figura 6: Eletrômetro de Wulf.

Créditos da gravura: Early cosmic-ray work published in German - T.Wulf, Physikalische Zeitschrschift 8, 251 (1909).

No início do século XX, o eletrômetro era o instrumento padrão utilizado para estudo da radioatividade e da condutividade do ar. Era sabido que a radioatividade ioniza o ar (ou gases em geral) e, portanto, iria sensibilizar um eletrômetro se este se encontrasse nas proximidades de uma fonte radioativa. Consequentemente, o transporte de eletrômetros para altitudes mais elevadas no estudo de raios cósmicos foi a estratégia da pesquisa experimental na época.

Um próximo avanço foi alcançado por Hess em 1912 ao usar eletrômetros selados em vôos com balões (veja a Figura 4 da seção "Os pioneiros"). Com esta condição, a densidade do número de partículas dentro do aparelho foi mantida constante, apesar das variações da temperatura ambiente e da pressão do ar durante a subida de balão. Hess teve especial cuidado com as condições experimentais: usou um eletrômetro de Wulf associado a um detector de ionização e considerou variáveis meteorológicas (pressão, temperatura, umidade), o que exigiu que uma instrumentação suplementar fosse levada a bordo do balão. Em seu artigo "Sobre a observação da radiação penetrante em sete campanhas de balão" (V. Hess, Physikalische Zeitschrschift 13, 1084 (1912)), Hess realizou medições com três eletrômetros independentes durante o vôo.

Nota

Os eletroscópios foram substituídos por um novo tipo de detector: os tubos Geiger-Müller. Em 1929, Hans Geiger e Walter Müller desenvolveram um detector de ionização cheio de gás - um tubo que registra partículas individuais carregadas. Este contador, Geiger-Müller, foi utilizado para estudar raios cósmicos de alta energia em vôos com balões.

Consulte a guia Informações Complementares / Pequeno léxico / Glossário do "Cosmic" para saber mais sobre o conceito de ionização.

Num tubo Geiger-Müller, o detector assume comumente a forma de um invólucro externo cilíndrico (cátodo) preenchido com gás e selado, tendo um fio central fino (ânodo) mantido a uma voltagem positiva de 1\approx 1 kV em relação ao cátodo, conforme a ilustração da Figura 7. O gás do invólucro é geralmente argônio a uma pressão de menos de 0,1 atm mais uma pequena quantidade de um vapor. Se um raio gama interagir com o tubo Geiger-Müller (principalmente com a parede por efeito fotoelétrico ou espalhamento Compton), ele produzirá um elétron energético que pode atravessar o interior do tubo. A ionização ao longo do caminho do elétron primário resulta em elétrons de baixa energia que serão acelerados em direção ao fio central pelo forte campo elétrico. Colisões com o gás no interior do tubo produzem estados excitados (\approx 11,6 eV) que decaem com a emissão de um fóton de ultra-violeta e pares elétron-íon (\approx 26,4 eV para o argônio). Os novos elétrons, mais o original, são acelerados para produzir uma cascata de ionização conhecida como avalanche de Townsend. O fator de multiplicação para uma avalanche varia entre 10610^6 a 10810^8. Os fótons emitidos podem ionizar diretamente as moléculas de gás ou atingir a parede do cátodo, liberando elétrons adicionais que rapidamente produzem avalanches adicionais. Assim, uma densa camada de ionização se propaga ao longo do fio central em ambas as direções, longe da região de excitação inicial, produzindo o que é denominado uma descarga Geiger-Müller.

Figura 7: Ilustração do princípio de funcionamento de um contador Geiger-Müller.

Nota

Um passo essencial em direção aos balões não tripulados com uma leitura automática dos dispositivos de medição foi a invenção da técnica de coincidência com tubos Geiger-Müller.

Consulte a guia Informações Complementares / Pequeno léxico / Glossário do "Cosmic" para saber mais sobre o conceito de coincidência.

No trabalho "The nature of the high-altitude radiation" (W. Bothe and W. Kolhörster, Zeitschrift für Physik 56, 751 (1929)), Bothe e Kolhörster descrevem a utilização de dois tubos Geiger-Müller operados em coincidência com um absorvedor de metal entre eles, e como a intensidade da radiação penetrante foi medida em função da espessura do material absorvedor. Um raio gama só dispara um contador Geiger se retirar um elétron de um átomo. A observação de sinais coincidentes sugere que um raio gama cósmico produziu dois elétrons ou que um único elétron disparou os dois contadores. Para testar se era um elétron que havia acionado os dois contadores, Bothe e Kolhörster posicionaram uma peça de ouro de 4 cm de espessura entre os contadores para absorver os elétrons expulsos dos átomos. Eles descobriram que os raios não foram afetados e concluíram que os raios cósmicos eram constituídos de partículas eletricamente carregadas e não eram raios gama. Pela descoberta da técnica da coincidência, W. Bothe recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1954.

Nota

Os vôos tripulados por Auguste Piccard na exploração da estratosfera não apenas permitiram o desenvolvimento de instrumentação para pesquisa sobre a natureza dos raios cósmicos, mas também impulsionaram as bases da aviação moderna.

A. Piccard tornou possível a aviação moderna e a exploração espacial ao inventar a cabine pressurizada e o balão estratosférico, como mostram os registros das Figuras 8 e 9. Sempre testando suas próprias invenções, ele fez as duas primeiras subidas à estratosfera (atingindo altitudes de 15.780 metros em 1931 e 16.201 metros em 1932), durante as quais estudou os raios cósmicos e se tornou o primeiro homem a testemunhar a curvatura da Terra com seus próprios olhos. Pela primeira vez, um ser humano havia entrado na estratosfera e provado que era possível sobreviver por muito tempo acima do nível de 5.000 metros, considerado na época uma barreira impenetrável.

Figura 8: Cabine pressurizada inventada por Auguste Piccard.

Figura 9: Vista da subida de um balão estratosférico alçando cabine pressurizada, ambos inventados por Auguste Piccard.

Créditos das imagens: Bertrand Piccard -changer d'altitude.

Alguns anos mais tarde, os balões puderam alcançar a estratosfera com vôos tripulados atingindo 23.000 m em cabines pressurizadas. Outros vôos chegram a 30.000 m utilizando sondas (dispositivos de transmissão de rádio) que transportavam contadores Geiger-Müller para detecção de ionização, além de emulsões fotográficas para a determinação de traços, uma espécie de primeira geração de "laboratório espacial".

Câmara de nuvens e a descoberta do pósitron

Nota

Os detectores de traços são dispositivos usados para rastrear a trajetória das partículas eletricamente carregadas, conforme atravessam e interagem com o material do dispositivo. Dentre muitos detectores de traços que contribuíram para a pesquisa de raios cósmicos destacamos a câmara de nuvens e as placas de emulsão fotográfica, responsáveis pelas descobertas do pósitron e do méson π\pi, respectivamente.

Consulte a guia Informações Complementares / Pequeno léxico / Glossário do "Cosmic" para saber mais sobre o detector de traços e a guia Informações Complementares / Anatomia das Partículas Cósmicas / O Modelo Padrão da física de partículas para saber mais sobre o pósitron e o méson π\pi.

A câmara de Wilson (câmara de nuvens) que aparece na foto da Figura 10 é constituída de um recipiente com vapor supersaturado (atualmente utiliza-se vapor de álcool), a tal ponto que, quaisquer alterações de pressão ou temperatura, podem fazer o vapor tornar-se líquido. Na câmara de nuvens, quando o êmbolo é puxado para trás rapidamente, o gás e o vapor na câmera se expandem. A resultante queda de temperatura é suficiente para a condensação do vapor em torno de quaisquer íons presentes no gás. Posteriormente, as câmeras de nuvem foram combinadas com campos magnéticos para desviar as partículas (estudos de carga elétrica).

A grande contribuição do inventor da câmara de nuvens, Charles Thomson Rees Wilson (1869 - 1959), foi a percepção de que na ausência de poeiras, as gotículas seriam formadas em torno de partículas carregadas eletricamente, possibilitando o estudo das trajetórias de partículas, por meio de fotografias e com isso, concluir sobre sua natureza. Pela seu trabalho, Wilson recebeu o prêmio Nobel de Física em 1927.

Figura 10: Câmara de nuvens, ou câmara de Wilson.

Créditos da imagem: How scientific research instruments change: A century of Nobel Prize physics instrumentation.

A descoberta do pósitron, a primeira antipartícula de matéria a ser identificada em 1932 por Carl Anderson, foi realizada através de uma câmara de nuvens, conforme esquema da Figura 11. Ele havia construído uma câmara de nuvens para determinar a composição dos raios cósmicos. O instrumento incluía um ímã, que permitia a Anderson determinar se as partículas que passavam tinham carga positiva ou negativa, e uma placa de chumbo para desacelerar as partículas. Anderson tirou centenas de fotos de traços provenientes de partículas de raios cósmicos, mas ficou intrigado com um traço deixado por "algo carregado positivamente e com a mesma massa de um elétron". Em destaque na Figura 11, vemos uma câmara de 15 cm de diâmetro que Anderson utilizou. Sob um campo magnético de 15000 Gauss, um pósitron de 63 MeV atravessa uma placa de chumbo de 6mm de espessura, deixando-a com uma energia de 23 MeV. Depois de quase um ano de esforço e observação, ele concluiu que os traços eram na verdade antielétrons, cada um produzido ao lado de um elétron do impacto de raios cósmicos na câmara de nuvem. Paul Dirac havia previsto a existência de tal antipartícula em 1931 e em 1936, Anderson recebeu o Prêmio Nobel de Física por sua descoberta.

Figura 11: Montagem da câmara de nuvens e a descoberta do pósitron por Anderson em 1933.

Emulsões fotográficas e a descoberta do méson π\pi

A luz, ao incidir sobre uma emulsão fotográfica, produz alterações submicroscópicas que se tornam visíveis após o tratamento químico. O mesmo princípio foi amplamente utilizado nas décadas de 1930 e 1940 para estudos de raios cósmicos em altitudes de montanhas ou a bordo de balões. Quando partículas rápidas atravessavam uma emulsão fotográfica, as alterações submicroscópicas ocorriam como efeito da interação da radiação com a matéria.

Entre 1947 e 1948, o físico brasileiro César Lattes realizou um importante trabalho de estudo dos raios cósmicos estabelecendo a existência do méson π\pi. A descoberta do méson π\pi representou um passo fundamental para o entendimento do mecanismo que mantinha o núcleo atômico e que certamente não poderia ser de natureza elétrica, já que os prótons se repelem uns aos outros.

Em 1935, Hideki Yukawa propôs uma teoria para explicar as interações nucleares. Ele sugeriu a existência de uma partícula ainda desconhecida, com uma massa cerca de 200 vezes maior do que a do elétron, que poderia ser emitida e absorvida por prótons e nêutrons. A troca dessa partícula entre os constituintes do núcleo atômico produziria uma atração entre eles, de curto alcance, que poderia explicar a estabilidade nuclear. Por ter uma massa intermediária entre a do elétron e a do próton, recebeu o nome de “méson”. Essas partículas só poderiam existir durante um tempo muito curto, e se desintegrariam fora do núcleo atômico, depois de apenas um bilionésimo de segundo.

Em 1937-38, Carl D. Anderson e Seth H. Neddermeyer encontraram na radiação cósmica, os sinais de algo que parecia ser o méson de Yukawa: tinha uma massa adequada, e se desintegrava do modo previsto. Durante quase dez anos, parecia que tudo se encaixava e que se dispunha de uma boa teoria sobre a constituição da matéria. Em 1947, no entanto, essa tranqüilidade foi derrubada. Descobriu-se que o méson de Anderson e Neddermeyer não tinha o comportamento previsto.

Para poderem explicar as interações nucleares, os mésons deveriam ser fortemente absorvidos por prótons e nêutrons. Previa-se, portanto, que eles fossem facilmente capturados pela matéria. No entanto, um grupo de pesquisadores italianos (Marcello Conversi, Ettore Pancini e Oreste Piccioni) observou que os mésons que haviam sido encontrados na radiação cósmica podiam atravessar centenas de núcleos atômicos sem sofrer nenhuma alteração. Eles tinham uma interação muito fraca com prótons e nêutrons, ao contrário do que se esperava.

Em 1946, uma equipe de pesquisadores de Bristol (Inglaterra), sob a direção de Cecil F. Powell, estava estudando os traços produzidos por reações nucleares em emulsões fotográficas. Pela análise dos rastros lá deixados por prótons e outras partículas carregadas, era possível determinar a sua energia e massa. Beppo Occhialini e César Lattes analisaram algumas emulsões de um novo tipo, que haviam sido colocadas no alto de uma montanha nos pirineus franceses (o Pic du Midi). Ao revelar e analisar as emulsões, observaram grande número de traços deixados por partículas que interpretaram inicialmente como sendo os mésons já conhecidos. No entanto, após alguns dias de estudo, foram encontrados dois traços especiais, de mésons que iam diminuindo de velocidade e parando; do final desses traços brotava um rastro de um novo méson. Para obter maior número de dados, Lattes viajou para a Bolívia, e colocou no alto do Monte Chacaltaya, a uma altitude de 5.500 metros, várias emulsões nucleares. Nelas, foi possível encontrar cerca de 30 rastros de mésons duplos. Estudando esses traços, foi possível determinar a massa dos mésons e perceber que havia dois tipos de partículas, com massas diferentes. Existia um tipo de méson que era cerca de 30% a 40% mais pesado do que o outro. Ele se desintegrava e produzia o méson mais leve. A partícula secundária era a que já era conhecida pelos estudos de Anderson e Neddermeyer, e passou a ser chamada de méson μ\mu (atualmente, é chamado de múon). O méson primário, mais pesado, era algo novo, desconhecido e foi denominado méson π\pi (também chamado de píon). Lattes, Muirhead, Occhialini e Powell publicaram suas descobertas na revista Nature na edição de 24 de maio de 1947. Estudos posteriores mostraram que o méson π\pi tinha uma forte interação com o núcleo atômico, possuindo as características exigidas pela teoria de Yukawa.

A Figura 12 mostra um dos mésons π\pi observados por Lattes em 1947. No Modelo Padrão, o píon é composto por dois quarks (udˉu\bar{d}) que pela mediação do bóson W+W^{+}, (partícula mediadora da força fraca), decaem nos léptons múon positivo e neutrino do múon.

Créditos da imagem: César Lattes e a descoberta do méson pi.

Figura 12: Registros da emulsão fotográfica que apresenta um dos píons observados por Lattes em 1947.

No final de 1947, Lattes deixou Bristol com a intenção de tentar detectar píons produzidos artificialmente no cíclotron de 184 polegadas que havia começado a funcionar em Berkeley, na Califórnia. Os resultados do trabalho de Lattes mostraram que de fato estavam sendo produzidos mésons. Dois artigos descrevem o método de detecção e os resultados, o primeiro se referindo a mésons negativos, e o segundo a positivos ("Production of Mesons by the 184-Inch Berkeley Cyclotron", Science 107 (1948), 270-1; John Burfening, Eugene Gardner, and C.M.G.Lattes, "Positive Mesons Produced by the 184-Inch Berkeley Cyclotron", Phys. Rev. 75 (1949)). Utilizando o alcance dos píons e sua curvatura em um campo magnético, foi possível estimar as massas como sendo aproximadamente 300 massas do elétron (mπ300×mem_{\pi} \approx 300 \times m_{e}).

Cintiladores, fotomultiplicadoras e SiPMs

Nota

Em nosso detector Cosmic, quando os múons atravessam um material denominado cintilador, partículas de luz (fótons) são produzidas e transformadas em sinal elétrico por meio de um ou mais detectores SiPM (sigla em inglês para silicon photomultiplier). O sinal enviado pelos SiPMs é proporcional à soma de todos os fótons detectados.

A palavra “cintilação” origina-se do latim scintillare e significa “brilhar” ou “piscar”. Portanto, um cintilador é o componente de um detector que brilha quando uma partícula cósmica passa por ele. O nosso detector Cosmic utiliza cintiladores orgânicos como aqueles da Figura 13 e o material de que são feitos interage com partículas carregadas como os múons cósmicos. Os átomos do material do cintilador são excitados por impactos de partículas e após um curto período de tempo, o excesso de energia é liberado novamente na forma de luz azul/ultravioleta, durante a transição do estado excitado de volta ao estado fundamental.

Figura 13: Cintiladores plásticos de vários formatos geométricos.

Créditos da imagem: Plastic Scintillators - Eljen Technology.

A luz emitida quando uma partícula passa por um cintilador deve ser observada por meio de um dispositivo de coleta de luz. Tradicionalmente, um cintilador costuma ser anexado a tubos fotomultiplicadores (PMTs), como mostra a ilustração da Figura 14, mas estes dispositivos são grandes, requerem altas tensões e são caros.

Figura 14: Princípio de detecção de um múon cósmico pelo sistema fotomultiplicadora-cintilador.

Em nosso detector Cosmic utilizamos um componente eletrônico fotosensor denominado SiPM (silicon photomultiplier), ao invés de uma fotomultiplicadora, como mostra a ilustração da Figura 15. O sinal que um SiPM entrega é proporcional à soma de todos os fótons detectados e cada componente é composto por vários pixels. Os próprios pixels são os chamados fotodiodos de avalanche. Eles são capazes de detectar fótons individuais e convertê-los em um sinal elétrico. Combinar vários desses pixels em um componente - como em um SiPM - oferece várias vantagens em relação às PMTs convencionais: eles permitem um projeto compacto do detector, requerem apenas uma baixa voltagem de polarização reversa (voltagem positiva para o cátodo, voltagem negativa para o ânodo), têm um pico de sensibilidade na região azul onde a maioria dos cintiladores emitem grande parte de sua luz, e têm apenas alguns milímetros de espessura com uma área de seção transversal igual ao tamanho do fotocátodo.

Figura 15: Princípio de detecção de um múon cósmico pelo sistema SiPM-cintilador.

Um fotodiodo de avalanche é um componente que pode detectar fótons e convertê-los em uma corrente mensurável por amplificação. Se vários fotodiodos de avalanche estiverem conectados, isso é chamado de SiPM.

A estrutura de um fotodiodo de avalanche é semelhante à de um único fotodiodo. A principal diferença é a inserção de uma camada p adicional, que permite a amplificação do sinal como uma avalanche. Um fotodiodo de avalanche consiste em uma sequência de camadas p-i-p-n como mostra a Figura 16. Cada camada semicondutora individual tem propriedades especiais:

  • Camada p: região com portadores de carga positiva livres (também chamados de buracos). O material foi misturado (dopado) com outros átomos que possuem um número menor de elétrons externos. Como resultado, nem todas as ligações são ocupadas e "lacunas positivas" permanecem no semicondutor.

  • Camada n: em contraste com a camada p, mais elétrons livres estão presentes nesta região também devido à dopagem. O material é dopado com outros átomos que possuem mais um elétron externo. Dessa maneira, cada elétron móvel adicional está disponível na estrutura cristalina do semicondutor.

  • Camada i: camada intrínseca ou intrinsecamente condutora. Devido a defeitos de rede, elétrons fracamente ligados estão presentes. Os fótons com energia suficiente podem liberar esses elétrons, que permite que se movimentem livremente no material.

Basicamente, a medida tem início quando fótons são absorvidos na camada i, como mostra o primeiro diagrama da Figura 16. Se um fóton atinge esta camada, elétrons são liberados da estrutura da rede sólida pelo efeito fotoelétrico interno. Isto resulta na formação de pares elétron-buraco.

Figura 16: Princípio de funcionamento de um fotodiodo.

Texto e figura adapatados de School Lab - Cosmic Particles, Deutsches Elektronen-Synchrotron DESY A Research Centre of the Helmholtz Association.

Com a inserção da camada p adicional, uma junção p-n com campos elétricos muito altos é criada. Os elétrons livres na camada i, portanto, movem-se em direção à camada p-n, conforme o diagrama central da Figura 16.

O terceiro diagrama da Figura 16 ilustra elétrons acelerados e mais elétrons secundários que são produzidos via ionização por impacto. Esses elétrons são por sua vez acelerados novamente produzindo assim, mais elétrons. Essa geração de elétrons secundários semelhante a uma cascata em diodos de avalanche permite a detecção de fótons individuais.